O Congresso Brasileiro está discutindo um novo Código do Processo Civil (Projeto de Lei nº 166), que foi apresentado ao Senado em 8/6/2010. Em total desrespeito ao direito de preservação da história e às regras arquivísticas mais elementares, o artigo 967 desse projeto vem reforçar a moda burocrática de limpar o passado. O texto restaura, na íntegra, o antigo artigo 1.215 do atual Código do Processo Civil, promulgado em 1973, que autorizava a eliminação completa dos autos findos e arquivados há mais de cinco anos, "por incineração, destruição mecânica ou por outro meio adequado".
Em 1975, depois de ampla mobilização da comunidade nacional e internacional de historiadores e arquivistas, a vigência desse artigo foi suspensa pela Lei 6.246. Aprovada a atual proposta, estão novamente em risco milhares de processos cíveis: um prejuízo incalculável para a história do país, que já arca com perdas graves na área da Justiça do Trabalho, uma vez que a Lei 7.627, de 1987 (com o mesmo texto do artigo 967), tem autorizado a destruição de milhares de processos trabalhistas arquivados há mais de cinco anos. Além de grave agressão à História, a proposta também fere direitos constitucionais de acesso à informação e de produção de prova jurídica.
Eis o texto do projeto de lei que está no Senado:
Art. 967. Os autos poderão ser eliminados por incineração, destruição mecânica ou por outro meio adequado, findo o prazo de cinco anos, contado da data do arquivamento, publicando-se previamente no órgão oficial e em jornal local, onde houver, aviso aos interessados, com o prazo de um mês.
§ 1º As partes e os interessados podem requerer, às suas expensas, o desentranhamento dos documentos que juntaram aos autos ou cópia total ou parcial do feito.
§ 2º Se, a juízo da autoridade competente, houver nos autos documentos de valor histórico, serão estes recolhidos o arquivo público.
O link para acompanhar a tramitação do PLS nº 166 é o seguinte: http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate
Um ataque à cidadania que exige defesa firme por parte de todos que lutam pela defesa da História e da Memória.
Fernando Teixeira da Silva (Arquivo Edgard Leuenroth - IFCH - UNICAMP)
Silvia Hunold Lara (CECULT - IFCH - UNICAMP)
Magda Barros Biavaschi (Fórum Nacional Permanente em Defesa da Memória da Justiça do Trabalho).
Fonte: http://museologiaunb.ning.com/profiles/blogs/uma-agressao-a-historia
Discutir é essencial!! Quando trabalhei no STF tínhamos um problema parecido. Mais especificamente com os "Habeas Corpus". O STF só julga para que tem foro previlegiado ou quando negado em outros tribunais ( à nível de recurso extraordinário).
ResponderExcluirMas... como fica os HC que não se enquadram neste casos. Um ladrão de galinha que faz seu habeas Corpus primeiro para o STF por achar que ele é o mais importante de todos os tribunais?
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirEle é indeferido sem ser lido pelo juiz (Ministro). Tornando-se uma massa documental sem valor e sem função.
ResponderExcluirA minha questão é o que será eliminado, e se haverá algum critério ou revisão, alguma amostragem... O Brasil, culturalmente não se importa com informações eliminadas, o arquivo é sinônimo de problemas de gestão, pessoas, finanças e espaço. Até que ponto usarão essa lei, responsávelmente e até que ponto não vão simplismente eliminar sem critérios e, pior ainda, usar esse dispositivo legal para permanecer na ilegalidade?
ResponderExcluirNão devemos viver nas margens dos extremos("ARQUIVÓPOLIS" X "NOVO RIO PAPÉIS"). A gestão documental deve ser pautada pela política de uso e acesso.
ResponderExcluirÉ provável que "GESTIONÓPOLIS" seja a região idéal em algum ponto entre as duas "cidades" dos extremos.
ResponderExcluirEssa questão foi divulgada pela folha de São Paulo, em 21/07/2010, com o título "História não é maconha para ser queimada", por Elio Gaspari. Vale postar aqui a notícia (muito interessante:
ResponderExcluir"Se a História do Brasil for tratada com o mesmo critério que a Polícia Federal dispensa à maconha, irão para o fogo dezenas de milhões de processos que retratam a vida dos brasileiros, sobretudo daqueles que vivem no andar de baixo, a gente miúda do cotidiano de uma sociedade. Graças à preservação dos processos cíveis dos negros do século XIX conseguiu-se reduzir o estrago do Momento Nero de Rui Barbosa, que determinou a queima dos registros de escravos guardados na Tesouraria da Fazenda.
Queimando-se os processos cíveis, virarão cinzas os documentos que contam partilhas de bens, disputas por terras, créditos e litígios familiares. É nessa papelada que estão as batalhas das mulheres pelos seus direitos, dos posseiros pelas suas roças, as queixas dos esbulhados. Ela vale mais que a lista de convidados da Ilha de "Caras" ou dos churrascos da Granja do Torto.
A teoria do congestionamento dos arquivos é inepta. Eles podem ser microfilmados ou preservados digitalmente. Também podem ser remetidos à guarda de instituições universitárias.
O que está em questão não é falta de espaço, é excesso de descaso pela História do povo. Pode-se argumentar que os processos com valor histórico não iriam ao fogo, mas falta definir "valor histórico".
Num critério estritamente pecuniário, quanto valeria o contrato de trabalho assinado nos anos 50 por uma costureira negra de Montgomery, no Alabama? Certamente menos que um manuscrito de Roger Taney, o presidente da Corte Suprema dos Estados Unidos que deu o pontapé inicial para a Guerra Civil.
Engano. Uma simples fotografia autografada de Rosa Parks, a mulher que desencadeou o boicote às empresas de ônibus de Montgomery e lançou à fama um pastor de 29 anos chamado Martin Luther King, vale hoje US$ 2.500. O manuscrito encalhado de Taney sai por US$ 1.000.
O trabalho dos sábios incineradores está com o presidente do Senado, José Sarney, cuidadoso curador de sua própria memória e membro da Academia Brasileira de Letras. Como presidente da República, autorizou a queima dos arquivos da Justiça do Trabalho. Com isso mutilou a memória das reclamações de trabalhadores, de acordos, greves e negociações coletivas.
A piromania é fruto do desinteresse, não da fatalidade. O STF, os Tribunais de Justiça de São Paulo, do Rio de Janeiro e de Rondônia, bem como o TRT de Rio Grande do Sul, acertaram-se com arquivos públicos e universidades para prevenir o incêndio.
Há mais de uma década a desembargadora Magda Biavaschi batalha na defesa dos arquivos trabalhistas, mas pouco conseguiu. Lula ainda tem mandato suficiente para agir em relação à fogueira trabalhista e para alertar sua bancada na defesa dos arquivos cíveis. Milhares de processos estimulados pelas lideranças sindicais dos anos 70, quando ele morava no andar de baixo, já viraram cinzas."
Curioso os comentários. Mas curioso ainda é uma questão "X":
ResponderExcluirSe os arquivos tivessem sido organizados no momento da produção, todo esse blá, blá, blá... de memória ameaçada nem seria citado.
O problema é que se preocupam demais com o futuro e esquecem do presente. O presente hoje é o futuro amanhã. O futuro de amanhã será presente e passado no "depois de amanhã".
Sem presente não há futuro e nem passado a ser preservado. A história se repete.
Outro ponto crucial: quem vai organizar esta documentação ameaçada de virar istrume para alimentar a pança dos vermes?
O discurso de preservação é lindo na teoria. A prátia é outra face bem mais desfigurada.
Luis Pereira.