quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Importante e Controverso

O Congresso Brasileiro está discutindo um novo Código do Processo Civil (Projeto de Lei nº 166), que foi apresentado ao Senado em 8/6/2010. Em total desrespeito ao direito de preservação da história e às regras arquivísticas mais elementares, o artigo 967 desse projeto vem reforçar a moda burocrática de limpar o passado. O texto restaura, na íntegra, o antigo artigo 1.215 do atual Código do Processo Civil, promulgado em 1973, que autorizava a eliminação completa dos autos findos e arquivados há mais de cinco anos, "por incineração, destruição mecânica ou por outro meio adequado".

Em 1975, depois de ampla mobilização da comunidade nacional e internacional de historiadores e arquivistas, a vigência desse artigo foi suspensa pela Lei 6.246. Aprovada a atual proposta, estão novamente em risco milhares de processos cíveis: um prejuízo incalculável para a história do país, que já arca com perdas graves na área da Justiça do Trabalho, uma vez que a Lei 7.627, de 1987 (com o mesmo texto do artigo 967), tem autorizado a destruição de milhares de processos trabalhistas arquivados há mais de cinco anos. Além de grave agressão à História, a proposta também fere direitos constitucionais de acesso à informação e de produção de prova jurídica.

Eis o texto do projeto de lei que está no Senado:


Art. 967. Os autos poderão ser eliminados por incineração, destruição mecânica ou por outro meio adequado, findo o prazo de cinco anos, contado da data do arquivamento, publicando-se previamente no órgão oficial e em jornal local, onde houver, aviso aos interessados, com o prazo de um mês.

§ 1º As partes e os interessados podem requerer, às suas expensas, o desentranhamento dos documentos que juntaram aos autos ou cópia total ou parcial do feito.

§ 2º Se, a juízo da autoridade competente, houver nos autos documentos de valor histórico, serão estes recolhidos o arquivo público.

O link para acompanhar a tramitação do PLS nº 166 é o seguinte: http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate

Um ataque à cidadania que exige defesa firme por parte de todos que lutam pela defesa da História e da Memória.

Fernando Teixeira da Silva (Arquivo Edgard Leuenroth - IFCH - UNICAMP)
Silvia Hunold Lara (CECULT - IFCH - UNICAMP)
Magda Barros Biavaschi (Fórum Nacional Permanente em Defesa da Memória da Justiça do Trabalho).


Fonte: http://museologiaunb.ning.com/profiles/blogs/uma-agressao-a-historia

9 comentários:

  1. Discutir é essencial!! Quando trabalhei no STF tínhamos um problema parecido. Mais especificamente com os "Habeas Corpus". O STF só julga para que tem foro previlegiado ou quando negado em outros tribunais ( à nível de recurso extraordinário).

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  2. Mas... como fica os HC que não se enquadram neste casos. Um ladrão de galinha que faz seu habeas Corpus primeiro para o STF por achar que ele é o mais importante de todos os tribunais?

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  3. Ele é indeferido sem ser lido pelo juiz (Ministro). Tornando-se uma massa documental sem valor e sem função.

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  4. A minha questão é o que será eliminado, e se haverá algum critério ou revisão, alguma amostragem... O Brasil, culturalmente não se importa com informações eliminadas, o arquivo é sinônimo de problemas de gestão, pessoas, finanças e espaço. Até que ponto usarão essa lei, responsávelmente e até que ponto não vão simplismente eliminar sem critérios e, pior ainda, usar esse dispositivo legal para permanecer na ilegalidade?

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  5. Não devemos viver nas margens dos extremos("ARQUIVÓPOLIS" X "NOVO RIO PAPÉIS"). A gestão documental deve ser pautada pela política de uso e acesso.

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  6. É provável que "GESTIONÓPOLIS" seja a região idéal em algum ponto entre as duas "cidades" dos extremos.

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  7. Essa questão foi divulgada pela folha de São Paulo, em 21/07/2010, com o título "História não é maconha para ser queimada", por Elio Gaspari. Vale postar aqui a notícia (muito interessante:
    "Se a História do Brasil for tratada com o mesmo critério que a Polícia Federal dispensa à maconha, irão para o fogo dezenas de milhões de processos que retratam a vida dos brasileiros, sobretudo daqueles que vivem no andar de baixo, a gente miúda do cotidiano de uma sociedade. Graças à preservação dos processos cíveis dos negros do século XIX conseguiu-se reduzir o estrago do Momento Nero de Rui Barbosa, que determinou a queima dos registros de escravos guardados na Tesouraria da Fazenda.
    Queimando-se os processos cíveis, virarão cinzas os documentos que contam partilhas de bens, disputas por terras, créditos e litígios familiares. É nessa papelada que estão as batalhas das mulheres pelos seus direitos, dos posseiros pelas suas roças, as queixas dos esbulhados. Ela vale mais que a lista de convidados da Ilha de "Caras" ou dos churrascos da Granja do Torto.
    A teoria do congestionamento dos arquivos é inepta. Eles podem ser microfilmados ou preservados digitalmente. Também podem ser remetidos à guarda de instituições universitárias.
    O que está em questão não é falta de espaço, é excesso de descaso pela História do povo. Pode-se argumentar que os processos com valor histórico não iriam ao fogo, mas falta definir "valor histórico".
    Num critério estritamente pecuniário, quanto valeria o contrato de trabalho assinado nos anos 50 por uma costureira negra de Montgomery, no Alabama? Certamente menos que um manuscrito de Roger Taney, o presidente da Corte Suprema dos Estados Unidos que deu o pontapé inicial para a Guerra Civil.
    Engano. Uma simples fotografia autografada de Rosa Parks, a mulher que desencadeou o boicote às empresas de ônibus de Montgomery e lançou à fama um pastor de 29 anos chamado Martin Luther King, vale hoje US$ 2.500. O manuscrito encalhado de Taney sai por US$ 1.000.
    O trabalho dos sábios incineradores está com o presidente do Senado, José Sarney, cuidadoso curador de sua própria memória e membro da Academia Brasileira de Letras. Como presidente da República, autorizou a queima dos arquivos da Justiça do Trabalho. Com isso mutilou a memória das reclamações de trabalhadores, de acordos, greves e negociações coletivas.
    A piromania é fruto do desinteresse, não da fatalidade. O STF, os Tribunais de Justiça de São Paulo, do Rio de Janeiro e de Rondônia, bem como o TRT de Rio Grande do Sul, acertaram-se com arquivos públicos e universidades para prevenir o incêndio.
    Há mais de uma década a desembargadora Magda Biavaschi batalha na defesa dos arquivos trabalhistas, mas pouco conseguiu. Lula ainda tem mandato suficiente para agir em relação à fogueira trabalhista e para alertar sua bancada na defesa dos arquivos cíveis. Milhares de processos estimulados pelas lideranças sindicais dos anos 70, quando ele morava no andar de baixo, já viraram cinzas."

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  8. Curioso os comentários. Mas curioso ainda é uma questão "X":

    Se os arquivos tivessem sido organizados no momento da produção, todo esse blá, blá, blá... de memória ameaçada nem seria citado.

    O problema é que se preocupam demais com o futuro e esquecem do presente. O presente hoje é o futuro amanhã. O futuro de amanhã será presente e passado no "depois de amanhã".

    Sem presente não há futuro e nem passado a ser preservado. A história se repete.


    Outro ponto crucial: quem vai organizar esta documentação ameaçada de virar istrume para alimentar a pança dos vermes?

    O discurso de preservação é lindo na teoria. A prátia é outra face bem mais desfigurada.

    Luis Pereira.

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